O Corcunda de Notre-Dame, Victor Hugo - 11


CAPÍTULO 11
Corcunda, caolho, manco


Toda cidade da Idade Média até a época de Luís XIII tinha seus locais de asilo. Tais lugares eram espécies de ilhas e qualquer criminoso que entrasse neles estaria a salvo.
Tendo colocado os pés no asilo, o criminoso tornava-se intocável, mas era preciso que ele se abstivesse de sair: um passo fora do santuário e estaria de volta ao turbilhão. A roda e a forca guardavam o entorno do lugar de refúgio e vigiavam incessantemente sua presa. O asilo era assim uma prisão como qualquer outra.
As igrejas normalmente possuíam cubículos para acolher os suplicantes. Em Notre-Dame, havia uma alcova localizada sob os sótãos das naves laterais, abaixo dos arcos.
Foi para lá que, após o resgate triunfal, Quasímodo levou Esmeralda. A moça sentiu que flutuava no ar, que voava, que algo a carregava acima da terra. Acreditava que tudo estivesse terminado, tendo sido executada durante o desmaio.
Somente quando o sineiro a deixou no refúgio e ela pôde sentir as mãos gordas dele retirarem lentamente a corda que lhe mortificava os braços, seus pensamentos clarearam. Ela percebeu que estava em Notre-Dame, recordou-se de ter sido arrancada das mãos do carrasco e de que Febo estava vivo. Voltando-se para Quasímodo, que se mantinha de pé na frente dela e a amedrontava, perguntou: - Por que você me salvou?
Ele a observou com ansiedade, tentando adivinhar o que ela dizia. Ela repetiu a pergunta, mas ele lançou-lhe um olhar profundamente triste e fugiu, deixando-a atônita.
Após alguns momentos, o corcunda retornou, trazendo um pacote que atirou a seus pés. Eram roupas que mulheres caridosas haviam deixado nos degraus da igreja. Ela pôs rapidamente um vestido e um xale brancos: um hábito de noviça da Casa de Misericórdia. Mal acabara de se vestir, Quasímodo retornou, carregando um colchão sob um braço e um cesto sob o outro, onde havia uma garrafa, um pedaço de pão e alguns alimentos.
- Coma - ele disse, completando, ao estender o colchão pelo chão. - Durma.
Era sua própria refeição e sua própria cama. A cigana levantou os olhos em sua direção para agradecer-lhe, mas não disse uma palavra: o pobre homem era realmente horrível. Então, ela abaixou a cabeça, tremendo de pavor.
- Eu a assusto - disse-lhe Quasímodo. - Sou bem feio, não é? Não me olhe, ouça apenas. De dia, permaneça aqui; à noite, poderá passear por toda a igreja. Mas não saia da catedral nem de dia nem à noite, senão estará perdida.
Ela quis responder, mas ele havia desaparecido. Sozinha, Esmeralda pensou nas palavras singulares daquele ser quase monstruoso. Em seguida, examinou a alcova. Era um pequeno quarto com uma estreita janela. Da beira do teto, conseguia ver a parte superior das chaminés que faziam subir a fumaça de Paris. Triste espetáculo para a pobre cigana, condenada à morte, infeliz criatura sem pátria, sem família, sem lar.
Pensando no doloroso isolamento, sentiu uma cabeça peluda e barbuda deslizar entre seus joelhos. Era a pobre cabra, a ágil Djali, que também havia escapado e que se alegrava em carícias aos seus pés. Esmeralda cobriu-a de beijos.
- Oh, Djali, como pude esquecê-la! Já você não é ingrata, sempre pensa em mim.
Ao mesmo tempo, como se uma mão invisível tivesse levantado o peso que comprimia as lágrimas em seu coração, pôs-se a chorar, sentindo que a dor a abandonava.
A noite chegou e ela achou a lua tão bonita que decidiu dar uma volta em torno da galeria que envolve a igreja. E sentiu-se aliviada, porque a terra lhe pareceu calma, vista daquela altura.
No dia seguinte, percebeu ao despertar que havia dormido bem e este fato incomum a surpreendeu: há muito perdera o hábito do sono. Um feliz raio de sol veio golpear-lhe o rosto. Ao mesmo tempo, na janela ela viu algo que a assustou: a face infeliz de Quasímodo. Involuntariamente, fechou os olhos, mas continuou a ver aquela máscara de borracha. Então, mantendo a vista cerrada, ouviu uma voz que dizia devagar:
- Não tenha medo, sou seu amigo. Vim vê-la dormir.
Isso não a atrapalha, não é? Que mal há que eu permaneça aqui enquanto seus olhos estejam fechados? Agora, vou embora. Veja, estou atrás da parede. Pode abrir os olhos.
Havia algo ainda mais doloroso que estas palavras: a forma como eram pronunciadas. Sensibilizada, Esmeralda abriu os olhos, mas ele não estava mais na janela. Dirigindo-se à pequena fresta, ela viu o pobre corcunda encolhido num canto da parede numa atitude dolorosa e resignada e fez um esforço para superar a aversão que ele lhe inspirava.
- Venha - disse-lhe docemente.
Ao movimento dos lábios da cigana, Quasímodo acreditou que ela o afugentava: então, ele se levantou e afastou-se mancando, lentamente, com a cabeça baixa, sem nem mesmo ousar levantar o olhar cheio de desespero para a moça.
- Venha logo! - ela gritou.
Mas ele continuava a afastar-se. Ela saiu da alcova, correu para ele e segurou seu braço. Ele ergueu o olho suplicante e, vendo que ela o trazia para perto de si, iluminou-se de alegria. Esmeralda tentou fazê-lo entrar na cela, mas ele teimou em permanecer na entrada:
- Não!
Ela agachou-se graciosamente sobre o colchão com a cabra adormecida a seus pés. A cada instante, descobria em Quasímodo mais uma deformidade. Seu olhar passeou dos joelhos calejados até a corcunda e da corcunda ao olho único. A aversão, pouco a pouco, cedeu lugar a um misto de tristeza e doçura. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio:
- Você estava pedindo que eu voltasse?
Ela fez um sinal de cabeça afirmativo, que ele compreendeu:
- Infelizmente - disse, hesitando -, sou surdo.
- Pobre homem! - gritou a cigana, com compaixão.
- Não me falta mais nenhum defeito. Sou horrível, não é verdade?
Havia nas palavras do corcunda um sentimento tão profundo de autopiedade que ela não teve forças para dizer uma única palavra. Ele se pôs a rir e este riso era o que havia de mais doloroso no mundo. Quasímodo continuou:
- Sou surdo e você falará por meio de gestos, de sinais. Tenho um mestre que conversa comigo desta maneira. Saberei seus desejos rapidamente, pelo movimento de seus lábios e pelo seu olhar.
- Está bem! - ela respondeu sorrindo. - Agora, diga-me por que me salvou.
Enquanto ela falava, ele a observava cuidadosamente.
- Entendi. Está me perguntando por que a salvei. Você se esqueceu de um miserável a quem socorreu no pelourinho com uma gota d'água e um pouco de piedade. Eis aí duas coisas que jamais poderei pagar. Você se esqueceu dele, mas ele se lembrou.
Enquanto ela o ouvia com profunda compaixão, uma lágrima rolou do olho do sineiro:
- Ouça - continuou -, temos aqui torres bem elevadas. Um homem que caísse morreria antes de tocar o chão. Quando você quiser que eu salte, não precisará dizer nem mesmo uma palavra, um simples olhar será suficiente.
Então, ele se levantou, mas ela fez um sinal para que ele permanecesse.
- Não devo permanecer muito tempo. Não me sinto à vontade quando você me olha. É por pena que você não desvia o olhar. Vou para algum lugar de onde eu possa vê-la sem que você me veja. Será melhor.
Tirando do bolso um pequeno apito de metal, ele continuou:
- Tome. Quando quiser que eu venha e não tiver tanto horror em me ver, você poderá assobiar com isto, que eu escutarei o som.
Colocando o apito no chão, Quasímodo saiu. Os dias se sucederam, e a calma voltou pouco a pouco à alma de Esmeralda. Ela estava fora da sociedade, fora da vida, mas sentia vagamente que talvez não fosse impossível retornar ao convívio social. Gradualmente, as imagens terríveis que a haviam obcecado por tanto tempo foram sumindo. Além disso, Febo estava vivo e a vida dele era tudo.
Esmeralda pensava às vezes em Quasímodo, o único laço que lhe restava com os homens, com os vivos. Não compreendia nada sobre o estranho amigo que o destino havia lhe dado. O apito ficara no chão, o que não impediu Quasímodo de reaparecer, ocasionalmente, nos primeiros dias. Ela fazia o possível para não virar o rosto quando ele vinha trazer o cesto de provisões ou o jarro d'água. Uma vez, ele surgiu no momento em que ela acariciava Djali. Por alguns momentos, ele permaneceu pensativo diante deste quadro gracioso. Por fim, falou sobre a cabeça pesada e disforme:
- Minha desgraça é que ainda pareço humano. Preferia ser realmente um animal, como esta cabra.
Outra vez, ele apareceu à porta da alcova no momento em que Esmeralda cantava uma velha balada espanhola. Percebendo a presença da desagradável figura que surgiu inesperadamente no meio de sua canção, a jovem rapariga se deteve com um gesto de temor involuntário. O infeliz sineiro caiu de joelhos na entrada do cubículo e juntou, com ar de súplica, as grandes mãos disformes:
- Oh! Eu suplico: continue e não me expulse.
Ela, então, voltou a cantar, enquanto ele permanecia ajoelhado e de mãos unidas, como em oração, mal respirando, ouvindo a canção praticamente com os olhos.
Em outra ocasião, ele chegou com um ar acanhado e tímido:
- Tenho algo a lhe dizer.
Ela fez sinal de que o escutava. Ele suspirou, entreabriu os lábios, pareceu pronto a falar, olhou-a em seguida, abanou a cabeça negativamente e se retirou, lentamente, deixando-a assustada.
Um dia Esmeralda subiu até a ponta do telhado a fim de olhar a praça, enquanto Quasímodo permanecia às suas costas. De repente, a cigana ajoelhou e esticou os braços para baixo, gritando:
- Febo! Venha! Você pode me salvar! Febo!
O capitão havia entrado numa casa, e estava muito distante. Ela permaneceu ajoelhada e gritava com uma agitação extraordinária:
- Febo! Febo! Ele não me ouve...
O corcunda a observava e compreendeu a intenção dela. O olho do pobre sineiro encheu-se de lágrimas. De repente, ele a puxou lentamente pela manga e com ar tranqüilo perguntou:
- Quer que eu vá procurá-lo?
Ela soltou um grito de alegria:
- Sim. Corra! Rápido! Traga-o aqui! Ele me salvará!
- Vou trazê-lo para você - disse ele com voz fraca.
Em seguida, virou a cabeça e precipitou-se escada abaixo, sufocado de tristeza.
Febo fora visitar a mesma moça da ocasião em que Esmeralda quase foi executada e Quasímodo teve de esperá-lo por um longo tempo. Finalmente, a porta se abriu e o oficial saiu envolto em seu casaco, passando diante do corcunda. O sineiro deixou-o dobrar a esquina da rua, depois se pôs a correr atrás dele, com sua agilidade de macaco, gritando:
- Capitão!
Febo parou e pensou: "O que este homem quer comigo?" Quasímodo, no entanto, aproximou-se dele.
- Siga-me, capitão, alguém deseja falar-lhe.
"Aí está um detestável pássaro descabelado que pareço já ter visto em algum lugar", murmurou Febo.
- Capitão, siga-me. Esmeralda o chama.
Este nome causou grande surpresa ao oficial, que, no dia da execução, deixara a janela momentos antes de Quasímodo salvar Esmeralda. Ninguém havia dito que a cigana estava viva e ele evitava falar dela, pois tal lembrança lhe era penosa.
- Esmeralda? - gritou assustado. - Onde? Você vem de outro mundo?
- Rápido! - disse o surdo sem compreender que Febo se preparava para atacá-lo. - Por aqui!
O capitão deu-lhe um vigoroso golpe no peito e partiu rapidamente, desaparecendo em seguida. Quasímodo retornou a Notre-Dame e subiu à torre. A cigana continuava no mesmo lugar e assim que o viu correu em sua direção.
- Você está sozinho?
- Não pude encontrá-lo - respondeu friamente Quasímodo.
- Pois deveria esperá-lo a noite inteira! - replicou ela com raiva.
Ele viu seu gesto de cólera e compreendeu a repreensão.
- Eu o vigiarei melhor da próxima vez - disse, baixando a cabeça.
- Saia!
Ele a deixou. Ela estava aborrecida com ele. A partir deste dia, a cigana não o viu mais, pois ele parou de vir ao quarto. No entanto, algumas vezes, ela entrevia no alto de uma torre a figura do sineiro, observando-a melancolicamente. No entanto, assim que ela o notava, ele desaparecia.
Ela não o via, mas sentia a presença de um bom espírito a seu redor. Os alimentos eram renovados por uma mão invisível, enquanto ela dormia. Acima de seu quarto uma escultura lhe causava medo. Ela dissera isto, mais de uma vez, na frente de Quasímodo. Certa manhã (porque todas essas coisas eram feitas à noite), ela não a viu mais. Tinha sido arrancada. Aquele que subira tão alto certamente teve que arriscar a vida.
Às vezes, à noite, ela ouvia uma voz escondida sob o que-bra-vento do sino cantar uma canção triste e estranha, como que para niná-la. Eram versos sem rima, como um surdo pode compor.
Um dia, ao se levantar, ela viu sobre a janela dois vasos cheios de flores. Um era de cristal, extremamente bonito, mas rachado. A água com a qual fora regado escorrera, e as flores haviam murchado. O outro era um pote de barro, grosseiro e comum, cuja água tinha sido conservada - o que lhe dava flores viçosas.
Não sabemos se foi intencional, mas Esmeralda apanhou o ramalhete murcho e carregou-o o dia todo sobre o peito. Neste dia, ela não ouviu a voz da torre cantar. Ela passava as horas acariciando Djali e dividindo seu pão com as andorinhas. Por fim, parou completamente de ver e ouvir Quasímodo. O pobre sineiro parecia ter sumido da igreja. Uma noite, no entanto, como não conseguia dormir, ela ouviu um suspiro perto do cubículo. Assustada, levantou-se e viu, à luz da lua, uma massa disforme deitada transversalmente à sua porta. Era Quasímodo que dormia no chão, como se montasse guarda.