O Corcunda de Notre-Dame, Victor Hugo - 12


CAPÍTULO 12
Gringoire tem boas idéias


Desde que Pierre Gringoire descobriu como todo o caso de Esmeralda se desenrolara e que, certamente, haveria corda, enforcamento e outros constrangimentos para os personagens principais desta história, não desejou mais participar dela.
Certo dia, parado próximo a uma esquina, sentiu uma mão pousar pesadamente sobre seu ombro. Virou-se, viu seu velho amigo e antigo mestre, o senhor arcebispo, e se assustou. Havia muito tempo que não encontrava com dom Cláudio. Este permaneceu em silêncio por alguns instantes, depois disse em um tom tranqüilo:
- Como se sente, Pierre?
- Pergunta sobre minha saúde? - indagou Gringoire.
- O conjunto vai bem.
- Então, você não tem nenhuma preocupação?
- Palavra que não!
- E não deseja nada em especial?
- Não.
- Não lamenta nada?
- Não lamento, nem desejo. Arranjei minha vida.
Após um silêncio, o padre continuou:
- No entanto, você parece bastante miserável.
- Miserável, sim; infeliz, não!
Neste momento, ouviu-se um som de cavalos, e nossos dois interlocutores viram desfilar, na extremidade da rua, uma companhia dos arqueiros do rei, com suas lanças levantadas. A cavalgada, brilhante, ressoava sobre a calçada.
- Por que está observando este oficial? - perguntou Gringoire ao arcebispo.
- Acho que o conheço.
- Como se chama?
- Talvez - disse dom Cláudio - ... Febo de Châteaupers - acrescentando abruptamente.
- Pierre Gringoire, o que você fez com a pequena dançarina egípcia?
- Esmeralda? O senhor está mudando de assunto muito rapidamente.
- Ela não era sua mulher?
- Sim, nós nos comprometemos por quatro anos. Meu Deus, como a cabritinha era bonita!
- Essa cigana não havia salvado sua vida?
- Meu Deus, é verdade!
- O que aconteceu com ela?
- O senhor não vai acreditar: acho que a enforcaram.
- Você acha?
- Não tenho certeza. Quando vejo que querem enforcar pessoas, saio logo do jogo.
- E é só isso que você sabe?
- Espere. Disseram-me que ela tinha se refugiado em Notre-Dame e que estava em segurança. Fiquei contente, mas não pude descobrir se a cabra foi salva com ela. É tudo o que sei.
- Vou lhe dizer mais - observou dom Cláudio. - Com certeza, ela se encontra refugiada em Notre-Dame. Mas em três dias, a justiça a prenderá, e ela será enforcada.
- Isso é terrível! - disse Gringoire. - Não podem deixá-la tranqüila? Qual o problema de uma pobre moça se proteger sob as arcadas de Notre-Dame, ao lado dos ninhos das andorinhas?
Após um silêncio, o arcebispo continuou:
- Então, ela salvou sua vida...?
- Dos meus próprios amigos, os vagabundos. Por pouco não fui enforcado.
- E você não quer fazer nada por ela?
- Até gostaria, dom Cláudio, mas temo pagar um preço desagradável por isso!
- Ora, que importa?
- Como assim, que importa?!
- Como poderia salvá-la? - disse dom Cláudio, perguntando-se a si mesmo.
Pierre Gringoire bateu na testa.
- Ouça, meu senhor, irei encontrar uma maneira. E se pedíssemos o perdão dela ao rei?
- Luís XI? Perdão?
- Por que não?
- Pierre, já pensei bastante, e há apenas um meio de salvá-la.
- E qual seria?
- Nunca se esqueça de que você deve sua vida a ela. Vou lhe contar minha idéia. A igreja é vigiada dia e noite e somente podem sair dela aqueles que são vistos entrar. Venha à catedral e eu o levarei até Esmeralda. Assim, vocês trocam de roupa: ela colocará seu casaco, você vestirá sua saia...
- Até agora não vejo problemas - observou Gringoire. - E depois?
- Depois, ela sairá com suas vestes e você permanecerá com as dela. Talvez você seja enforcado, mas ela será salva.
O poeta coçou a orelha com um ar sério:
- Veja só! Está aí uma idéia que eu nunca teria tido sozinho.
Mas tal proposta inesperada fez com que Gringoire se entristecesse.
- E então? O que você acha da estratégia?*
- Digo, meu senhor, que eu não serei enforcado "talvez", mas, sim, "certamente".
- Ela salvou sua vida. É uma dívida que você paga.
- Mas há outras tantas que não pago!
- Pierre, é absolutamente necessário.
- Escute, dom Cláudio - respondeu o poeta muito consternado. - O senhor se prende a esta idéia e está errado.
Não vejo por que eu me deixaria enforcar no lugar de outro. Mas pensarei sobre o assunto. Afinal de contas - prosseguiu ele após um silêncio -, quem sabe? Talvez não me enforquem. Quando me encontrarem nessa alcova, tão ridiculamente vestido, de saia e touca, talvez estourem de rir.
- Combinado? - perguntou dom Cláudio.
Gringoire parecia hesitar e o arcebispo esticou-lhe a mão:
- Estamos de acordo: você virá amanhã!
- Ah, isso não! - disse o poeta, como um homem que desperta. - Ser enforcado é demasiado absurdo! Eu não quero.
- Adeus, então! - disse o arcebispo, acrescentando entre os dentes. - Nós nos veremos.
"Não quero que este homem me veja nunca mais", pensou Gringoire, correndo atrás de dom Cláudio.
- Olhe, nada de caprichos entre velhos amigos! O senhor se interessa por essa moça, por minha mulher, quero dizer.
Está bem. Imaginou um estratagema para fazê-la sair de Notre-Dame, mas o método é extremamente desagradável para mim. Se eu tivesse outro meio, uma outra idéia interessante para tirá-la de lá, sem que para isso fosse preciso comprometer meu pescoço, o que o senhor diria? Não seria suficiente? É absolutamente necessário que eu seja enforca do para que o senhor fique contente?
- Qual é sua proposta?
"Os vagabundos são homens corajosos", Gringoire começou a pensar, tocando o nariz com o indicador em sinal de meditação. "E como a tribo do Egito gosta dela, eles se insurgirão à primeira palavra. Nada mais fácil. Graças à desordem, poderemos soltá-la facilmente. Amanhã à noite."
O poeta estava radiante:
- Preciso lhe contar em voz baixa - disse a dom Cláudio.
- Que meio de salvação você encontrou? - perguntou o arcebispo.
Gringoire inclinou-se ao ouvido do padre e falou-lhe muito baixo, lançando um olhar inquieto de uma extremidade à outra da rua por onde, no entanto, ninguém passava. Quando terminou, dom Cláudio tomou-lhe a mão e disse friamente:
- Está bem. Até amanhã.
- Até amanhã - repetiu Gringoire.
Enquanto o arcebispo afastava-se de um lado, o poeta saiu por outro, murmurando para si mesmo: "Aí está uma tarefa importante, senhor Pierre Gringoire, e não é certo que, por ser pequeno, eu fique assustado com uma grande empreitada".
O arcebispo, retornando ao claustro, encontrou seu irmão à porta de seu quarto. Enquanto este esperava, desenhara na parede com carvão o perfil de dom Cláudio, com um nariz bastante grande.
- Meu irmão - disse timidamente Jean -, venho vê-lo.
O arcebispo não ergueu os olhos.
- Então?
- Você é tão bom para mim e me dá tão bons conselhos - continuou o jovem - que sempre retorno a você.
- Prossiga.
- Diante de ti, está um culpado, um criminoso, um miserável. Sinto-me mortificado e o bom Deus é extraordinariamente justo. Enquanto eu tinha dinheiro, levei uma vida feliz.
- E depois?
- Infelizmente, gostaria muito de me endireitar. Venho aqui cheio de arrependimento. Sou penitente. Confesso-me. Bato em meu peito com grandes punhaladas. Você tem certamente razão de querer que eu, um dia, tenha um diploma. Eis que sinto agora uma vocação magnífica para esta condição. Mas não tenho mais tinta, é preciso que eu compre; não tenho mais plumas, é preciso que eu compre. Tenho grande necessidade de um pouco de dinheiro. Venho até aqui, meu irmão...
- É só?
- Sim. Um pouco de dinheiro.
- Não tenho.
O estudante disse então com um ar grave e seguro ao mesmo tempo:
- Está bem, meu irmão. Não quer me dar dinheiro? Não importa, vou me tornar vagabundo.
O arcebispo disse friamente:
- Mas você já não é?
Jean o cumprimentou com solenidade e desceu a escada assobiando. No momento em que passava no pátio sob o quarto do irmão, ouviu a janela se abrir. Levantou a cabeça e viu surgir a cabeça severa do arcebispo.
- Tome! - disse dom Cláudio. - Eis aqui a última moeda que você terá de mim.
Então, o padre jogou a Jean uma bolsa que lhe causou um enorme galo na testa. O jovem partiu, ao mesmo tempo, zangado e contente, como um cão agredido com um osso.