O Corcunda de Notre-Dame, Victor Hugo - 6


CAPÍTULO 6
O buraco dos ratos


Na Praça da Greve, o espetáculo não é menos interessante. Às dez horas da manhã, tudo lembra o dia seguinte da festa. A calçada está coberta de restos, fitas, panos, plumas de penachos, gotas de cera das tochas, migalhas do banquete público. Os vendedores de cidra e cerveja rolam suas barricas. Alguns transeuntes ocupados vão e vêm. Os mercadores conversam e se chamam uns aos outros diante de suas lojas. Todos tentam falar melhor e rir mais. E, no entanto, quatro sargentos a cavalo que acabam de se postar nos quatro lados do pelourinho já concentram em torno de si a atenção geral.
Se o leitor dirigir agora seu olhar para a casa de Tour-Roland, que fica na esquina do cais, poderá observar, no canto da fachada, uma estreita janela fechada por duas barras de ferro em cruz, única abertura que deixa chegar um pouco de ar e de luz do dia a uma pequena cela sem porta no andar térreo.
Tal cela era a mais famosa em Paris há mais de três séculos, desde que madame Rolande de Ia Tour-Roland, de luto por seu pai morto numa cruzada, mandou escavá-la na muralha da própria casa para ali se encerrar para sempre, mantendo de seu palácio apenas este único local cuja porta era murada. Somente uma fresta permanecia aberta, tanto no inverno como no verão. A senhorita, que doara o resto de seus bens aos pobres e a Deus, havia esperado a morte vinte anos neste túmulo, rezando dia e noite pela alma do pai, dormindo nas cinzas, sem ter nem mesmo uma pedra como travesseiro, vestida com um saco preto e vivendo apenas daquilo que a piedade dos transeuntes depositava sobre o parapeito da pequena janela. Quando morreu, deixou a cela para as mulheres que queriam se enterrar vivas num momento de grande dor ou por uma grande penitência.
A Tour-Roland nunca deixou de aceitar mulheres reclusas. Muitas delas a habitavam até a morte e o povo de Paris se habituou a chamar o local de "o buraco dos ratos". Na época em que se passa esta história, a cela da Tour-Roland estava ocupada justamente por aquela mulher que interrompeu a apresentação da cigana Esmeralda, mandando-a embora.
A história desta reclusa será ouvida por meio da conversa de três boas comadres que se dirigiam precisamente para Iá, subindo do Palácio Châtelet para a Praça da Greve, ao longo do rio.
Duas destas mulheres vestiam-se como boas burguesas de Paris, a outra tinha um ar mais provinciano. Ela segurava pela mão um menino grande que, por sua vez, carregava um bolo.
A criança se deixava arrastar e tropeçava a todo instante, talvez porque olhasse mais para o bolo do que para a calçada, e algum motivo sério o impedia de mordê-lo, já que ele se satisfazia em observá-lo com carinho. As três senhoritas, que se chamavam Mahiette, Oudarde e Gervaise, falavam todas ao mesmo tempo.
- Precisamos nos apressar, senhorita Mahiette - dizia a mais jovem das três para aquela com ar provinciano. - Tenho muito medo de chegarmos atrasadas. Disseram no Palácio Châtelet que ele seria levado imediatamente ao pelourinho.
- Ora bolas, o que você está dizendo, senhorita Oudarde? - continuou a outra parisiense. - Ele ficará duas horas no pelourinho. Temos tempo.
- Veja aquele agrupamento no final da ponte! Essas pessoas estão observando algo. - disse Mahiette.
- Na verdade - completou Gervaise -, escuto um tamborim. Acho que é a pequena Esmeralda que faz seu espetáculo com sua cabra. Vamos rápido, Mahiette, aperte o passo e arraste seu menino. Vocês vieram até aqui para conhecer as curiosidades de Paris. Ontem viram os flamengos, hoje devem ver a egípcia.
- Egípcia! - disse Mahiette, mudando abruptamente de direção e apertando com força o braço de seu filho. - Deus me guarde! Ela roubaria meu filho. Venha, Eustáquio.
Assustada, ela se pôs a correr ao longo do cais em direção à Praça da Greve, até deixar a ponte para trás. Contudo, a criança que arrastava caiu de joelhos e ela parou exausta. Logo, Oudarde e Gervaise juntaram-se a ela.
- Que história é essa de a egípcia roubar sua criança? Está aí uma fantasia bastante curiosa! - disse Gervaise.
Mahiette balançou a cabeça com um ar pensativo.
- O curioso - observou Oudarde - é que a enclausurada tem a mesma idéia a respeito da egípcia.
- Quem é essa enclausurada? - indagou Mahiette.
- É a irmã Gúdula - disse Oudarde. - A velha do buraco dos ratos.
- Como? - perguntou Mahiette. - Esta pobre mulher para quem estamos levamos o bolo?
Oudarde fez um sinal de cabeça afirmativo.
- Precisamente. Você vai vê-la daqui a pouco, através de sua pequena janela sobre a Praça da Greve. Ela pensa o mesmo que você destes vagabundos do Egito que tocam tamborim e lêem a sorte. Não se sabe de onde vem este horror às egípcias. E você, Mahiette, por que então foge assim, sem nem mesmo vê-la?
- Ah! - respondeu a outra, segurando entre as mãos a cabeça do filho. - Não quero que aconteça comigo o que aconteceu com Paquette Ia Chantefleurie.
- Aí está uma história que você vai nos contar, minha boa Mahiette - disse Gervaise segurando-lhe o braço.
- De boa vontade - respondeu Mahiette.
E ela contou a história de uma pobre mãe, chamada Paquette Ia Chantefleurie, de quem os egípcios roubaram a bela filha. Eles foram vistos nas proximidades da casa: eram morenos, tinham os cabelos muito crespos e brincos de prata em forma de anel nas orelhas. As mulheres possuíam o rosto ainda mais negro e os cabelos amarrados em rabos de cavalo. Chantefleurie mostrou-lhes a criança e pediu que eles lessem a sorte dela.
- Ela será rainha! - declarou uma egípcia.
E a mãe voltou para casa, muito orgulhosa de levar consigo uma futura rainha. No dia seguinte, aproveitando-se de um momento em que a criança dormia, ela correu a contar à vizinha que sua filha Agnes um dia seria servida à mesa por um rei. Quando retornou, encontrou a porta aberta e correu para procurar a filha na cama, mas a criança não estava mais ali. Não havia nenhum sinal da menina, a não ser um de seus belos sapatinhos. Desesperada, a pobre mãe saiu de casa, batendo a cabeça nas paredes e gritando:
- Minha menina! Quem roubou minha filha?
A rua estava deserta e ninguém pôde dizer nada. Paquette percorreu a cidade durante o dia inteiro, louca, perdida, farejando as portas e as janelas como um animal selvagem que perdeu o filhote. Sem fôlego e descabelada, parava os transeuntes e gritava:
- Minha criança, minha linda filhinha. Serei escrava daquele que devolver minha menina!
Durante sua ausência, uma vizinha viu duas egípcias entrarem escondidas nos seus aposentos com um pacote nos braços e depois saírem apressadas, segurando outro embrulho. À noite, quando retornou, a mãe ouviu um choro de criança e sorriu. Subiu as escadas como se tivesse asas e entrou. Uma coisa terrível! Em vez da bela Agnes, tão doce e tão rosada, uma espécie de pequeno monstro, medonho, cocho, zarolho e disforme, berrava assustado. Paquette fechou os olhos com horror e pensou:
"Teriam as bruxas transformado minha criança neste animal pavoroso?"
Houve quem se apressasse a levar embora a criança. O pequeno a teria deixado louca, pois era o filho monstruoso de alguma egípcia. Parecia ter cerca de quatro anos e falava uma língua que não era humana.
Paquette pegou o pequeno sapato da filha - tudo o que restara de quem mais amara na vida - levantou-se de repente e se pôs a correr, gritando:
- Ao acampamento dos egípcios! Ao acampamento dos egípcios!
Mas os ciganos haviam partido e ela não pôde persegui-los. No dia seguinte, a duas milhas de Iá, num brejo, foram encontrados os restos de uma grande fogueira e algumas roupas que pertenciam à criança.
Quando Paquette soube destas coisas horríveis, não chorou. Apenas moveu os lábios, como para falar, mas não pôde. Na manhã seguinte, seus cabelos estavam grisalhos e, dois dias depois, ela havia desaparecido.
- Que história pavorosa - disse Oudarde. - Não me surpreende mais o medo tão grande que você tem dos egípcios.
Mahiette caminhava silenciosamente.
- E alguém sabe o que aconteceu com Paquette? - perguntou Gervaise.
- Nunca se soube - acrescentou Mahiette, após uma pausa. - No entanto, há quem diga tê-la visto a caminho de Paris, andando com os pés descalços. Outros afirmam que ela se afogou.
- E o sapatinho? - perguntou Gervaise.
- Desapareceu com a mãe. - respondeu Mahiette.
- E o monstro? - disse, de repente, Oudarde.
- O cardeal o abençoou e o enviou para Paris, para ser exposto na catedral de Notre-Dame.
- E o que aconteceu com ele em Paris?
- Não sei - respondeu Mahiette.
Conversando assim, as três burguesas chegaram à Praça da Greve. Distraídas, passaram na frente da Tour-Roland sem parar e se dirigiram para o pelourinho ao redor do qual a multidão aumentava a cada momento. Provavelmente teriam esquecido o buraco dos ratos se o robusto Eustáquio não lhes recordasse abruptamente:
- Mãe, posso comer o bolo?
Tal pergunta despertou a atenção de Mahiette, que exclamou:
- Esquecemos da enclausurada! Levem-me ao buraco dos ratos para que eu possa dar a ela o bolo.
- Imediatamente! - disse Oudarde. - É uma caridade. As três mulheres retornaram e, chegando perto da Tour-Roland, Oudarde disse:
- Vou espiar pela janela. Ela me conhece um pouco e eu as avisarei quando puderem vir.
Oudarde dirigiu-se à pequena abertura da cela e no momento em que seu olhar penetrou no interior do quarto uma profunda piedade varreu-lhe o rosto. Mahiette aproximou-se em silêncio, comovida, e agora as três mulheres, porque Gervaise havia se reunido a elas, olhavam pela fresta. Suas cabeças interceptavam a fraca luz do calabouço, sem que a miserável enclausurada parecesse prestar atenção a elas.
- Não a perturbemos - disse Oudarde, solícita. Mahiette observou com ansiedade sempre crescente aquela cabeça magra, desvanecida, descabelada e seus olhos encheram-se de lágrimas.
- Ela é bem estranha - murmurou. - Como se chama? -perguntou a Oudarde.
- Nós a chamamos de irmã Gúdula.
- Já eu - continuou Mahiette - chamo-a de Paquette Ia Chantefleurie.
Então, fez um sinal para que Oudarde e Gervaise olhassem atentamente o interior da cela e identificassem o pequeno objeto que consumia toda a atenção da enclausurada. Um pequeno sapato de cetim rosa, bordado em ouro e prata, levou as três mulheres a chorarem de emoção.
Nada disso distraiu a reclusa. As mãos continuavam juntas, os lábios mudos e os olhos fixos. As três mulheres ainda não haviam proferido uma só palavra, nem mesmo em voz baixa, e, por fim, Gervaise, a mais curiosa das três, tentou fazer a enclausurada falar.
- Irmã Gúdula!
Ela repetiu o chamado, aumentando a voz a cada vez, mas a enclausurada não se moveu. Nem uma palavra, um olhar ou um suspiro. Oudarde, por sua vez, chamou-a com uma voz mais suave. O mesmo silêncio, a mesma imobilidade.
- Talvez esteja surda - disse Oudarde, suspirando.
- Talvez morta - retrucou Mahiette.
- Mãe, quero ver! - disse Eustáquio neste momento.
A voz da criança - clara, fresca, sonora - despertou a enclausurada. Um longo tremor percorreu-lhe o corpo, seus dentes rangeram e ela levantou um pouco a cabeça, exclamando:
- Que frio!
- Pobre mulher - lastimou Oudarde -, quer um pouco de fogo para se aquecer?
Paquette, balançando a cabeça em sinal de recusa, olhou Oudarde fixamente e disse:
- Água. Oudarde ponderou:
- Coma este bolo que assamos para você. Ela afastou o bolo e disse:
- Pão preto.
De repente, seus olhos brilharam e, sentando sobre os joelhos, ela estendeu a mão branca e magra para a criança que a observava surpresa:
- Levem este menino daqui! A cigana vai passar! Maldita seja a filha do Egito!
Logo após, ela caiu com a face contra o solo, golpeando com o rosto o ladrilho como se uma pedra batesse contra outra.
As três mulheres pensaram que ela havia morrido, mas a reclusa se arrastou até o canto onde estava o pequeno sapato. As amigas não ousaram olhar, somente ouviram mil beijos e mil suspiros misturados a gritos cortantes.