O Corcunda de Notre-Dame, Victor Hugo - 9


CAPÍTULO 9
A moeda transformada em folha seca


Gringoire e todo o Pátio dos Milagres estavam numa apreensão mortal. Não se sabia, há um mês, o que havia acontecido com Esmeralda e sua cabra, o que aumentava ainda mais a dor do poeta, que gostava quase tanto do animal quanto de sua dona. Uma noite, a cigana desapareceu e desde então não dera sinal de vida. Todas as investigações haviam sido inúteis e ele não conseguia explicar este sumiço. Era uma tristeza profunda. Ele teria emagrecido, se tal coisa fosse possível.
Um dia, ele percebeu uma multidão diante de uma das portas do Palácio de Justiça.
- O que é aquilo? - perguntou a um rapaz que se afastava.
- Não sei ao certo, senhor - respondeu o rapaz. - Dizem que estão julgando uma mulher que assassinou um policial. Como parece que há alguma bruxaria envolvida, meu irmão, o arcebispo, está cuidando disso. Eu queria falar com ele, mas não pude chegar até Iá devido à multidão e isso me deixa bastante contrariado porque preciso de dinheiro.
- Que pena, meu senhor! - disse-lhe Gringoire. - Eu gostaria de poder emprestar-lhe algum, mas não trago nada nos bolsos.
O poeta não ousou dizer ao rapaz que conhecia seu irmão, o arcebispo. O estudante seguiu seu caminho e Gringoire pôs-se a acompanhar a multidão, que subia as escadas do grande tribunal. Ele pensou que não havia nada como o espetáculo de um processo para dissipar a melancolia.
O povo no meio do qual ele se misturara, andava e se amontoava em silêncio. Após lenta caminhada por um longo corredor, o poeta chegou a uma porta baixa que desembocava numa sala ampla e sombria. Era noite e várias velas já estavam acesas aqui e ali sobre as mesas. A parte anterior da sala era ocupada pela multidão; à direita e à esquerda havia homens de túnicas nas mesas; ao fundo, sobre um estrado, muitos juizes mergulhavam seus rostos na penumbra.
- Meu senhor - perguntou Gringoire a um vizinho -, o que fazem todas essas pessoas aqui?
- Estão julgando uma mulher. Não podemos vê-la, pois ela está de costas para nós, encoberta pela multidão.
- E quem é ela? - perguntou Gringoire. - O senhor sabe seu nome?
- Ainda não, porque acabo de chegar. Suponho apenas que se trate de bruxaria.
Neste instante, os vizinhos impuseram silêncio aos dois tagarelas, pois iria ser ouvido um testemunho importante.
- Senhores - dizia, no meio da sala, uma velha cujo rosto desaparecia sob a vestimenta -, uma noite, eu estava costurando, enquanto o moleque brincava, perto de mim. Bateram à minha porta e eu abri. Dois homens entraram: um todo vestido de preto; o outro, um belo oficial. Viam-se apenas os olhos do que estava de preto, duas brasas. De resto, tinha apenas casaco e chapéu. Eles me pediram um quarto e eu lhes dei um aposento do andar superior. Eles me deram uma moeda. Fechei a moeda em minha gaveta e subimos. Ao chegarmos ao quarto, no momento em que virei as costas, o homem de preto desapareceu e aquilo me deixou um pouco surpresa. O oficial, que era bonito como um fidalgo, desceu comigo e saiu. Fui fazer umas costuras, quando ele retornou com uma moça, que trazia consigo um bode, um grande bode, preto ou branco, não sei mais. Eu os fiz subir para o quarto do andar superior, onde os deixei sozinhos, ou melhor, com o bode. Desci e continuei a costurar. De repente, ouvi um grito vindo de cima e algo cair no chão. A janela se abriu. Corri então para a minha janela, que fica bem embaixo deste quarto, e vi passar, diante de meus olhos, uma massa preta que caiu na água. Era uma noite de lua clara. Eu o vi, muito bem, nadando na direção da cidade. Então, tremendo, chamei a ronda. Estes senhores entraram e nós subimos. O que foi que encontramos? Meu pobre quarto coberto de sangue, o capitão estendido no chão com um punhal cravado no pescoço, a moça fingindo-se de morta e o bode muito assustado. Em seguida, levaram o oficial, pobre rapaz, e a moça. Esperem. O pior é que no dia seguinte, quando quis pegar a moeda para comprar tripas, encontrei uma folha seca no lugar.
A velha ignorava que, enquanto mostrava o quarto, a criança pegara a moeda, colocando em seu lugar uma folha seca que arrancara de um feixe. A testemunha calou-se, e um murmúrio de horror circulou pela audiência.
- Silêncio! - disse um magistrado, Jacques Charmolue. - A senhora trouxe a folha seca?
- Sim, senhor, aqui está.
- É uma folha de bétula, nova prova de magia - disse Charmolue.
Neste momento, Philippe Lheulier, advogado extraordinário do rei, interveio:
- Gostaria de lembrar que temos o testemunho do capitão Febo de Châteaupers.
Ao ouvir este nome, a acusada levantou-se e sua cabeça surgiu acima da multidão. Gringoire, aterrorizado, reconheceu Esmeralda. Os cabelos, antes graciosamente trançados, caíam em desordem e a pele empalidecera.
- Febo! - exclamou confusa. - Onde ele está? Digam-me se está vivo.
- Cale-se, mulher! - respondeu o presidente. - Não é este nosso assunto.
- Por piedade! Digam-me se ele ainda vive - continuou, e ouviram-se suas correntes rangerem ao longo do vestido.
- Está bem! - disse secamente o advogado do rei. - Ele morreu. Está contente?
A infeliz recaiu sobre o assento, sem voz e sem lágrimas, branca como uma imagem de cera e não deu mais sinal de vida. Foi necessário, para acordá-la, que um sargento a agitasse sem piedade e que o presidente do tribunal levantasse solenemente a voz:
- Cigana da Boêmia, com a cumplicidade de sua cabra enfeitiçada, na noite do dia 29 de março passado, você apunhalou um capitão dos arcos do rei, Febo de Châteaupers. Continua a negar?
- Que horror, eu nego! - disse a jovem com olhos cintilantes.
- Então, como explica as acusações?
- Já disse: não sei! Foi um padre. Um padre que não conheço. Um sujeito infernal que me persegue!
- É isto! - continuou o juiz.
- Senhores, tenham piedade de mim, sou apenas uma pobre moça...
- ...do Egito - completou o juiz.
Jacques Charmolue tomou a palavra com doçura:
- Considerando a obstinação dolorosa da acusada, solicito seu interrogatório.
- Aceito - disse o presidente do tribunal.
O corpo da infeliz tremia. Ela levantou-se, no entanto, e caminhou com um passo bastante firme em direção a uma porta que se abriu de repente e fechou-se assim que ela passou, o que deu ao triste Gringoire a impressão de que uma boca horrível acabava de devorá-la.
A audiência foi suspensa. Um conselheiro, tendo feito observar que aqueles senhores estavam cansados e que o fim da tortura ainda tardaria bastante, obteve como resposta do presidente que um magistrado deve saber sacrificar-se pelo dever.
Procedeu-se assim ao interrogatório da prisioneira. A pobre moça fez um grande esforço para manter a coragem, mas estremeceu quando as mãos calosas dos criados de Pierrat Torterue, o carrasco-mor, ajustaram seus belos pés nos terríveis ferros em que eles ficariam presos, a partir de então. Ela soltou um urro de dor quando Pierrat fechou a tranca e seu pé foi mordido por esta cruel engenhoca e confessou.
Confessou tudo que os inquiridores queriam ouvir: seu envolvimento com o diabo e o assassinato do capitão. Soltaram-lhe os pés e ela foi levada de volta para o tribunal.
Ao retornar à sala da audiência, pálida e mancando, um murmúrio geral de satisfação a acolheu e ela foi arrastada de volta para seu lugar. Charmolue sentou-se, levantou-se em seguida e disse sem deixar transparecer em demasia a vaidade:
- A acusada confessou.
- A mulher da Boêmia - continuou o presidente - confessou todos os atos de magia e o assassinato do oficial Febo?
O coração de Esmeralda apertou-se e foi possível ouvi-la soluçar na sombra.
- Tudo o que senhor quiser - respondeu fracamente.
- Senhor promotor do rei - disse o presidente -, o tribunal está pronto para ouvir a sentença que Vossa Excelência requisitar.
Charmolue exibiu um caderno assustador e pôs-se a ler, com muitos gestos, um texto em latim. O orador declamava tão bem que o suor lhe escorria da testa e os olhos saltavam-lhe da cabeça.
Em seguida, o escrevente pôs-se a redigir a sentença e, por fim, passou ao presidente um longo pergaminho. Neste momento, a infeliz pôde ouvir uma voz glacial que dizia:
- Mulher da Boêmia, no dia em que convier ao rei, ao meio-dia, será levada numa carroça diante do grande por tal de Notre-Dame, a fim de pedir perdão com uma tocha de cera na mão. De lá, será conduzida à Praça da Greve, onde será enforcada com sua cabra, para reparar os crimes que praticou e confessou: bruxaria, magia e o assassinato de Febo de Châteaupers. Deus tenha piedade de sua alma!
- Oh! É um sonho! - ela murmurou, sentindo duras mãos levarem-na a uma cela subterrânea do Palácio da Justiça.
Nesta masmorra, ela se viu perdida nas trevas, enterrada, escondida, enclausurada. Quem a olhasse nesse estado, após tê-la visto rir e dançar ao sol, teria calafrios. Fria como a noite, fria como a morte, nem mais um sopro de vento em seus cabelos, nem mais um som humano aos seus ouvidos, nem mais um brilho do dia em seus olhos. Abatida, esmagada pelas correntes, agachada perto de um jarro e de um pedaço de pão, sobre um pouco de palha numa poça d'água que se formava. Sem movimento, quase sem respirar, Esmeralda não sofria mais.
Desde que chegou ali, não acordava nem dormia. No calabouço, não podia mais distinguir o dia da noite, o sonho da realidade.
Também paralisada, congelada, petrificada, mal notou duas ou três vezes o som de um alçapão que se abria em algum lugar acima dela pelo qual uma mão lhe atirava uma casca de pão preto.
Apenas uma coisa ainda ocupava mecanicamente seu ouvido: acima de sua cabeça, uma gota de água pingava, a intervalos iguais, da abóbada de pedras mofadas.
Não havia nenhum outro barulho além deste.