O Corcunda de Notre-Dame, Victor Hugo - 10


CAPÍTULO 10
A mãe


Em uma manhã de maio, enquanto o sol se levantava no céu azul, a enclausurada da Tour-Roland ouviu um barulho de rodas, de cavalos e de ferragens na Praça da Greve. Ela apertou os cabelos sobre as orelhas para encobrir o som e entregou-se a contemplar o objeto que adorava há quinze anos: o pequeno sapato, que para ela era todo o universo.
Naquela manhã, parecia que sua dor se manifestava com violência ainda maior. Era possível escutá-la do lado de fora a se lamentar numa voz alta e monótona que machucava o coração:
- Ah minha filha! Minha pobre e querida criança, então não a verei mais? Parece que tudo aconteceu ontem! Oh, meu Deus, para tomá-la de mim tão rapidamente, era melhor jamais tê-la feito viver. Meus joelhos esfolaram-se por quinze anos orando ao Senhor. Não é suficiente? Traga-a de volta um dia, uma hora, um minuto, meu bom Deus! Quero minha criança! Quinze anos ela teria agora.
Neste momento, alegres vozes infantis ouviram-se na frente da alcova. A cada vez que alguma criança chegava à sua vista ou aos seus ouvidos, a pobre mãe precipitava-se para o canto mais sombrio de seu túmulo, como se desejasse afundar a cabeça na pedra para se esconder. Desta vez, pelo contrário, ela levantou-se com um sobressalto e ouviu avidamente um dos pequenos rapazes dizer:
- Vão enforcar a cigana hoje.
A reclusa correu à janela, mas o grupo risonho de crianças já ia distante. Ela procurou com os olhos alguém que pudesse interrogar, e logo percebeu ao lado do cubículo um padre que lançava de vez em quando um olhar cruel e sombrio para a forca. Era o arcebispo.
- Padre - perguntou -, quem será enforcado?
- Não sei.
- As crianças disseram que é uma egípcia.
- Creio que sim - disse o padre.
Então a velha estourou de rir.
- Minha filha - disse o arcebispo -, estou vendo que a senhora detesta mesmo as egípcias!
- São ladras de crianças - gritou a enclausurada. - Roubaram minha filhinha, minha única criança.
Tomada por um aspecto assustador, ela era observada pelo padre.
- Há, sobretudo, uma que odeio e que amaldiçoei - continuou. - É uma jovem da idade que teria minha filha.
- É justamente esta quem vai morrer - disse o padre.
A cabeça de dom Cláudio tombou sobre o peito e ele se afastou lentamente. A enclausurada contorceu os braços de alegria.
Febo, no entanto, não havia morrido, pois homens como ele têm vida longa. Quando o advogado do rei disse para
Esmeralda que o capitão não mais vivia, certamente foi por erro ou por graça.
Não que a ferida do capitão não tenha sido grave. O médico a quem os soldados o levaram deu-lhe oito dias de vida. No entanto, a juventude acorreu-lhe e, coisa que acontece frequentemente, a natureza se divertiu em salvar o paciente sob as barbas do médico. Enquanto ainda jazia imóvel, ele enfrentou os primeiros interrogatórios, o que o irritou bastante. E, assim, numa bonita manhã, sentindo-se melhor, deixou as esporas de ouro em pagamento ao médico e fugiu. A justiça não se importou mais com ele, pois os juizes tinham provas suficientes contra Esmeralda. Acreditavam que Febo estava morto e que tudo havia sido dito.
O oficial não fugiu para muito longe. Ele tinha ido, simplesmente, juntar-se à sua companhia em um pequeno vilarejo a alguma distância de Paris. Depois de tudo que acontecera, Febo não tinha vontade alguma de comparecer ao tribunal, sentindo que faria um papel ridículo. Esperava que o caso não fosse divulgado.
Mas o tal vilarejo era extremamente insípido, uma aldeia de ferreiros e vaqueiros de mãos rachadas, uma seqüência de choças e casas que cercavam a grande estrada dos dois lados. Febo enfadou-se rapidamente e retornou a Paris, assim que pôde, decidindo cortejar uma moça que morava perto de Notre-Dame.
Inicialmente, ele não deu atenção à multidão bastante numerosa que se apertava na praça, diante da catedral. O barulho, no entanto, acabou por intrigá-lo, fazendo-o perguntar a um sujeito que passava a causa do rumor.
- Não sei. Parece que uma bruxa vai ser castigada na frente da igreja.
O capitão, que acreditava estar o caso de Esmeralda terminado, comoveu-se bem pouco com estas palavras.
A praça apresentava um espetáculo sinistro e singular. Uma multidão imensa, que surgia por todas as ruas, congestionava o local, enquanto o terreno da igreja, vazio, era protegido por uma grossa fileira de soldados.
As grandes portas da catedral estavam fechadas e logo soou lentamente meio-dia no relógio de Notre-Dame. Um murmúrio de satisfação estourou na multidão. A última vibração do décimo segundo golpe mal desapareceu quando um imenso clamor partiu da calçada, das janelas e dos tetos:
- Aí está ela!
Uma carroça, cercada pela cavalaria, acabava de chegar à praça e os sargentos da ronda abriam-lhe passagem no meio do povo. Ao lado do carro, reuniam-se alguns oficiais de justiça, que podiam ser reconhecidos pela vestimenta preta. Jacques Charmolue desfilava à frente do cortejo.
No veículo fatal, uma moça estava sentada com os braços amarrados atrás das costas. Vestia uma camisa e seus longos cabelos pretos caíam espalhados sobre os ombros.
- Jesus! - disse a moça a quem Febo fora visitar. - É aquela cigana desagradável da cabra!
O capitão, com os olhos fixos sobre a carroça, empalideceu. A cavalgada sinistra atravessou a praça em meio aos gritos de alegria e o carro entrou no terreno da igreja, parando em frente a ela. No meio deste silêncio cheio de solenidade, as duas maçanetas giraram e as portas da catedral se abriram.
Um canto grave, incontestável e monótono escapou da igreja. Era a missa dos mortos. Esmeralda parecia perder a visão e o pensamento no interior escuro da igreja. Seus lábios se mexiam como se ela estivesse rezando e, quando o criado do carrasco aproximou-se dela para ajudá-la a descer da carroça, percebeu que ela repetia em voz baixa esta palavra: Febo.
Suas mãos foram desamarradas e fizeram-na andar com os pés descalços sobre a rua, em companhia de Djali, que balia de alegria por sentir-se igualmente livre. A corda que Esmeralda levava ao pescoço se arrastava atrás dela.
Então o canto foi interrompido na igreja e uma grande cruz de ouro à frente de uma fila de círios pôs-se em movimento na sombra. Após alguns momentos surgiu uma longa procissão de padres que avançavam com expressão grave em direção à condenada.
- Oh! - exclamou ela, em voz baixa, ao ver aquele que caminhava na frente. - Ele novamente!
Era o arcebispo, que, pálido, avançava com o rosto virado, os olhos fixos, cantando com uma voz forte. Esmeralda, não menos pálida, mal percebera que haviam colocado em suas mãos uma pesada vela acesa.
Dom Cláudio aproximou-se sozinho. Então, exclamou com voz fúnebre uma assustadora frase em latim que pôs fim à sombria cerimônia. Era o sinal combinado entre o padre e o carrasco. O povo ajoelhou-se. O arcebispo virou as costas para a condenada, sua cabeça caiu sobre o peito, suas mãos se cruzaram e ele juntou-se ao cortejo.
Esmeralda permanecia imóvel, aguardando o que seria feito dela. A infeliz, no momento de subir na carroça fatal e de se encaminhar para a última estação, talvez tenha sido tomada por alguma lamentação comovente. Levantou os olhos vermelhos para o céu e em seguida olhou a multidão, as casas, o horizonte... De repente, enquanto o criado do carrasco amarrava seus cotovelos, ela soltou um grito terrível, um grito de alegria. Ali, no canto da praça, acabava de encontrar seu amigo, seu senhor, Febo! O juiz havia mentido! Era realmente ele, não podia duvidar: belo, vivo, vestido com seu uniforme brilhante, a pluma na cabeça, a espada ao lado.
- Febo! - gritou. - Salve-me!
Esmeralda quis esticar para ele os braços que tremiam, mas estavam amarrados. Um pensamento acabava de lhe ocorrer: ela havia sido condenada pelo assassinato de Febo de Châteaupers! A jovem suportara muita coisa até então, mas este último golpe foi demasiado duro: ela caiu, sem movimento, sobre a calçada.
- Coloquem-na na carroça - disse Charmolue - e vamos terminar logo com isso!
Ninguém havia notado no alto da catedral um espectador estranho que observava tudo até aquele momento de modo tão impassível que poderia ser confundido com uma das esculturas da fachada da igreja. Sem que ninguém notasse, ele unira fortemente às colunas da galeria uma corda grossa cheia de nós cuja extremidade arrastava-se sobre os degraus. Depois, examinou tudo tranquilamente.
De repente, quando os soldados começavam a executar a ordem de Charmolue, a estranha figura montou sobre o parapeito da galeria, segurou a corda, deslizou por ela ao longo da fachada e correu em direção aos carrascos, derrubando-os com golpes potentes.
Logo após, arrebatou a egípcia com uma só mão, como uma criança faz com sua boneca e, com um impulso, retornou para o interior da igreja, carregando a moça acima de sua cabeça enquanto gritava com voz forte:
- Asilo!
- Asilo! - repetiu a multidão e o aplauso de dez mil mãos fizeram brilhar de alegria e orgulho o único olho de Quasímodo.
Tal rumor fez a condenada voltar a si. Esmeralda olhou para Quasímodo e, em seguida, fechou de repente os olhos como se estivesse apavorada.
Charmolue permaneceu estupefato. Com efeito, no interior de Notre-Dame, a condenada era intocável, pois a catedral era lugar de asilo e toda a justiça humana cessava em suas escadarias.
Quasímodo havia parado sob o grande portal. Ele carregava a moça em suas mãos calosas com tanto cuidado que parecia temer que ela viesse a se quebrar. Do lado de fora, a multidão pulava de entusiasmo. Após alguns minutos de triunfo, o corcunda desapareceu no interior da igreja.
- Viva! Viva! - gritava o povo.
Esta imensa aclamação espantou a enclausurada, que continuava olhando fixamente para a forca.