O Corcunda de Notre-Dame, Victor Hugo - 3

CAPÍTULO 3
O jarro quebrado

Gringoire, pelo sim pelo não, pôs-se a seguir a cigana. Ele a viu entrar, com sua cabra, na rua de La Coutellerie e caminhava, pensativo, atrás da moça, que apertava o passo vendo os burgueses fecharem suas tabernas, o único tipo de comércio aberto naquele dia. As ruas estavam escuras e desertas. O toque de recolher soara há muito tempo e apenas alguns raros indivíduos restavam. Gringoire entrou, seguindo a cigana, no labirinto de ruelas, cruzamentos e becos sem saída que cercam o antigo Cemitério dos Santos Inocentes.
Após alguns instantes, ela percebeu que estava sendo seguida. Por várias vezes, ela se virou para ele com inquietude e até parou uma hora, aproveitando um raio de luz que escapava de uma taberna entreaberta, para olhá-lo fixamente. Em seguida, Gringoire a viu fazer o beiço que ele já tinha notado e ela o ignorou.
A certa altura, ele a perdeu de vista e minutos depois ouviu um grito de pavor. O poeta, então, apertou o passo.
Um pequeno lampião a gás que estava aceso na esquina permitiu distinguir a cigana debatendo-se nos braços de dois homens que tentavam abafar seus gritos, enquanto a pobre cabra balia de medo.
- Larguem a pobre moça! - gritou Gringoire, avançando bravamente.
Um dos homens que segurava a cigana virou-se em sua direção: era o rosto formidável de Quasímodo. O poeta não fugiu, mas não deu nem mais um passo. O Corcunda aproximou-se dele, deixou-o de quatro sobre a calçada com um golpe dado com as costas da mão e mergulhou na escuridão, levando a moça dobrada sobre um de seus ombros como um cachecol. O companheiro o seguia e a pobre cabra corria atrás dos dois com seu balido melancólico.
- Assassino! Assassino! - gritava ela.
- Alto lá, miseráveis, entreguem-me esta mulher - disse de repente, com uma voz de trovão, um cavaleiro que surgiu bruscamente do cruzamento vizinho.
Era o capitão dos arqueiros da ordem do rei, armado dos pés à cabeça e com a espada em punho. Ele arrancou a cigana dos braços de Quasímodo e colocou-a atravessada em seu cavalo. No momento em que o Corcunda, passada a surpresa, avançou sobre ele para recuperar a presa, quinze ou dezesseis arqueiros, que seguiam de perto o capitão, apareceram de armas na mão.
O sineiro foi dominado e amarrado. Ele rugia, espumava e mordia e se o dia estivesse claro, sem dúvida, apenas seu rosto, mais horrendo ainda devido à ira, teria feito fugir toda a esquadra. Mas, à noite, ele não podia contar com sua arma mais formidável: a feiúra.
O homem que o acompanhava desapareceu durante a luta. A cigana se ajeitou graciosamente sobre a sela do oficial e o observou fixamente durante alguns segundos, como que deleitada por sua boa aparência e pelo socorro que ele acabara de lhe prestar. Em seguida, foi a primeira a quebrar o silêncio, falando docemente:
- Como o senhor se chama, senhor policial?
- Capitão Febo de Châteaupers, a seu serviço! - respondeu ele, endireitando-se.
Enquanto o capitão retorcia seu bigode, ela se deixou escorregar do cavalo e fugiu. Um raio não teria desaparecido tão rápido.
Gringoire, aturdido pela queda, permaneceu na calçada. Pouco a pouco, recobrou os sentidos, e rapidamente uma sensação muito viva de frio acordou-o completamente. Ele havia caído no córrego.
- Maldito Corcunda! - resmungou entre os dentes.
Ele se levantou e retomou seu caminho. Após um momento, percebeu um brilho avermelhado no final de uma ruela estreita e longa.
- Deus seja louvado! Ali está sem nenhuma dúvida o calor de uma fogueira para que eu possa me secar e me aquecer.
Ele apenas havia dado alguns passos na longa ruela sem calçamento e cada vez mais enlameada, quando percebeu algo bastante singular. Ela não estava deserta. Aqui e ali, rastejavam massas humanas disformes, todas se dirigindo em direção à luz que vacilava no final da rua.
Gringoire continuou a avançar e logo se juntou a uma larva que demorava mais preguiçosamente a seguir as outras. Aproximando-se, ele percebeu que era apenas um aleijado que saltitava sobre as mãos e prosseguiu. Chegou perto de outra massa ambulante e a examinou. Era um paralítico, ao mesmo tempo coxo e sem um braço, tão coxo e tão sem braço que o sistema complicado de muletas que o sustentava dava-lhe o aspecto de um andaime que caminhava.
Ele quis apressar o passo, mas pela terceira vez algo barrou seu caminho. Esta coisa, ou antes, esta pessoa era um cego, um pequeno cego que tateava no espaço, rebocado por um grande cachorro.
Gringoire continuou seu caminho, mas o cego apressou o passo ao mesmo tempo. Tanto o paralítico quanto o aleijado avançaram com pressa e um grande ruído de moedas e de muletas foi ouvido sobre a calçada.
O poeta pôs-se a fugir e todos o seguiram. À medida que ele corria, pernetas, cegos e coxos multiplicavam-se ao redor. Manetas, zarolhos e leprosos também saíam das ruas adjacentes, das janelas dos porões, das adegas, urrando, mugindo, uivando, todos coxeando, mancando e pisando na lama como lesmas após a chuva.
Gringoire, sempre à frente dos três perseguidores, tentou, amedrontado, enfiar-se no meio dos outros. Quis voltar, mas era tarde demais. Aquela legião o cercou, mas ele continuou, empurrado ao mesmo tempo por esta onda, pelo medo e por uma vertigem que transformava tudo aquilo numa espécie de sonho horrível.
Por fim, atingiu a extremidade da rua, que terminava numa praça imensa, onde mil luzes dispersas cintilavam no nevoeiro confuso da noite. Gringoire fugiu para Iá, esperando escapar pela velocidade de suas pernas dos três fracos espectros que fixavam os olhos nele. De repente, o paralítico atirou longe as muletas e passou a persegui-lo com as duas melhores pernas que jamais haviam dado um passo sobre as calçadas de Paris, enquanto o coxo endireitou-se sobre os pés e o cego o encarava com olhos que resplandeciam.
- Onde estou? - perguntou o poeta, aterrorizado.
- No Pátio dos Milagres - respondeu um quarto espectro que o alcançara.
Gringoire olhou ao redor de si. Estava realmente no temível Pátio dos Milagres, onde nunca um homem honesto havia penetrado a tal hora. Um círculo mágico no qual os soldados do rei que se arriscavam a entrar eram feitos em migalhas.
Tratava-se de uma praça vasta, irregular e mal pavimentada, como todas as praças de Paris. Havia fogueiras ao redor das quais se juntavam grupos estranhos aqui e ali. Escutavam-se risos agudos, choros de crianças, vozes de mulheres.
Gringoire, cada vez mais amedrontado, dominado pelos três mendigos, ensurdecido pela multidão que uivava em torno dele, percebeu que havia caído em desgraça. Neste momento, ouviu-se um grito:
- Vamos levá-lo ao rei! Ao rei!
- Virgem santíssima! - murmurou Gringoire. - O rei deste lugar deve ser um sujeito terrível!
- Ao rei! Ao rei!
Enquanto era levado, todos queriam pôr as garras sobre ele, mas os três mendigos não o soltavam, arrancando-o dos outros, com urros:
- Ele é nosso!
O casaco já gasto do poeta deu seu último suspiro nesta luta. Ao fim de alguns passos, seu senso de realidade retornou e ele começou a perceber a atmosfera do lugar. Examinando as coisas com mais sangue frio, observou: o Pátio dos Milagres era apenas um cabaré, um cabaré de bandidos.
Ao redor de uma fogueira que queimava sobre uma grande pedra redonda, havia algumas mesas arrumadas ao acaso. Sobre elas, brilhavam algumas garrafas cheias de vinho e em torno destas garrafas agrupavam-se rostos avermelhados pelo fogo e pela bebida. Risos estouravam por toda a parte, brigas aconteciam.
Sobre um tonel perto do fogo, estava sentado um mendigo. Era o rei acomodado sobre seu trono. Os três conduziram Gringoire diante dele e o soberano, do alto do barril, dirigiu-lhe a palavra.
Gringoire teve um sobressalto. A voz lembrava aquela ouvida de manhã: "Caridade, pelo amor de Deus!". O rei dos mendigos era, com efeito, Clopin Trouillefou.
Coberto de insígnias reais, ele não tinha um trapo a mais nem a menos. Na mão carregava um chicote com correias de couro branco. Sobre a cabeça, portava um tipo de chapéu circular, fechado pela parte superior. Gringoire, sem saber por que, recobrou a esperança ao reconhecer nessa figura o mendigo do salão.
- Senhor... - balbuciou - Alteza... Amo... Como devo chamá-lo? - perguntou por fim.
- Alteza, majestade ou camarada... Chame-me como quiser, mas apresse-se. O que tem a dizer em sua defesa?
"Minha defesa?", pensou Gringoire, "Isto não me agrada". E continuou gaguejando:
- Fui eu quem esta manhã...
- Somos seus juizes! - interrompeu Clopin. - Você entrou em nosso reino, violou nossa cidade. Deve ser punido, a menos que seja um ladrão, mendigo ou vagabundo. Pratica alguma dessas profissões, hein? Justifique-se. Apresente suas qualidades.
- Sou o autor da peça que foi encenada esta manhã.
- Já é suficiente - retomou Clopin, sem deixá-lo terminar. - Será enforcado!
Gringoire tentou um último recurso.
- Perdão, alteza! Não me condene sem me ouvir...
- Não vejo por que não enforcá-lo! Isto parece repugná-lo? - disse Clopin, acariciando o queixo. - Mas, no fim das contas, não lhe queremos mal. Há somente um meio para tirá-lo desta situação: quer ser um dos nossos?
Pode-se julgar o efeito que esta proposta teve sobre Gringoire, que via a vida lhe escapar e agarrou a oportunidade energicamente.
- Quero, certamente! - disse.
- Consente em se juntar a nós? Saiba - continuou Clopin - que você não irá escapar da forca apenas por isso. Somente será enforcado mais tarde, com mais cerimônia, com as despesas pagas pela boa cidade de Paris, numa bela forca de pedra, por pessoas decentes. É um belo consolo. Você ainda deseja ser um dos nossos?
- Sem dúvida - respondeu Gringoire.
- Não basta querê-lo - retomou Clopin. - A boa vontade não põe uma cebola a mais na sopa. É preciso que você mostre que serve para alguma coisa, por isso você irá passar pela prova do manequim.
- Passo - disse Gringoire. - Farei qualquer coisa que lhe agrade.
O rei dos mendigos fez um sinal e uma forca foi trazida.
"Até onde querem ir?", pensou Gringoire, com alguma apreensão.
No mesmo instante, um barulho de sinos acabou com sua ansiedade. Os malfeitores traziam um boneco suspenso pelo pescoço por uma corda, uma espécie de espantalho, carregado de sinetas e sininhos.
Clopin, apontando uma velha escadinha vacilante colocada abaixo do manequim, disse para Gringoire:
- Suba.
- Vou quebrar o pescoço. Esta escada balança.
- Suba! - repetiu Clopin.
Gringoire subiu a escada e conseguiu, não sem algumas oscilações da cabeça e dos braços, encontrar o centro de gravidade.
- Agora - prosseguiu o rei -, gire seu pé direito em volta da perna esquerda e erga-se sobre a ponta do pé esquerdo.
- Sua Alteza deseja que eu quebre algum membro? Clopin, meneando a cabeça, reclamou:
- Silêncio, meu amigo, você fala muito! Em duas palavras, eis a prova: você vai se equilibrar sobre a ponta do pé, atingir o bolso do manequim, remexer dentro dele e tirar uma bolsa que está lá dentro. Se você conseguir fazer tudo isso sem que se escute o ruído de nenhuma sineta, tudo bem, será um dos nossos. Teremos apenas que cobri-lo de pancadas durante oito dias.
- Vou tomar cuidado - disse Gringoire. - E se faço soar as sinetas?
- Então, será enforcado. Compreende?
- Não compreendo de forma alguma - respondeu Gringoire. - Qual é a vantagem? Enforcado, num caso; coberto de pancadas, no outro.
- Vamos, apresse-se! - disse o rei, batendo o pé sobre o tonei, que ressoou como um grande tambor. - Roube o dinheiro do manequim e isso acaba logo. Aviso uma última vez: se eu ouvir o som de uma sineta sequer, a corda sai do pescoço do espantalho diretamente para o seu!
Gringoire tentou ainda ponderar:
- E se soprar um golpe do vento?
- Você será enforcado - foi a resposta.
Vendo que não havia subterfúgio possível, Gringoire ajeitou-se na ponta dos pés e estendeu o braço. No momento em que tocava o manequim, a escada, com o peso de seu corpo, se moveu. O poeta tentou, involuntariamente, apoiar-se sobre o boneco, mas perdeu o equilíbrio e caiu pesadamente sobre a terra, no meio do barulho de mil sinos.
- Maldição! - gritou, enquanto caía.
Por alguns instantes, ele permaneceu no chão como morto, com o rosto virado para a terra. Quando se levantou, o espantalho já havia sido retirado da corda para que ele pudesse tomar seu lugar. Forçaram-no, então, a subir a escada. Clopin se aproximou dele, passou a corda em volta de seu pescoço e disse, batendo-lhe no ombro:
- Adeus, amigo! Você não pode mais escapar agora...
No entanto, o rei dos mendigos parou, como se tivesse uma idéia súbita.
- Um momento! - disse. - Ia me esquecendo. Normalmente não enforcamos um homem antes de perguntar se uma mulher o aceita como marido. É uma lei cigana, que devemos respeitar.
Ninguém se apresentou e Clopin ia dar a ordem final para enforcar o poeta, quando gritos foram ouvidos:
- Esmeralda! Esmeralda!
Gringoire ficou arrepiado e virou na direção de onde vinha o clamor, enquanto a multidão dava passagem a uma figura deslumbrante. Era a cigana.
- Esmeralda! - disse Gringoire, estupefato pela maneira brusca com que esta palavra mágica reunia todas as lembranças do dia.
Ela aproximou-se com seu passo rápido. Djali a seguia. Gringoire, mais morto do que vivo, foi observado pela cigana em silêncio.
- Vai enforcar este homem? - disse a moça, seriamente.
- Sim, irmã - respondeu o rei -, a menos que você o aceite como marido.
- Eu aceito - disse ela, fazendo com o lábio inferior um belo beiço de desprezo.
Gringoire, neste momento, acreditou firmemente que apenas sonhava desde a manhã e que esta cena era a continuação do sonho. O laço foi desatado e o fizeram descer da escada. Logo, ele sentou-se, tamanha sua comoção. Alguém trouxe um jarro de barro, que a cigana lhe ofereceu.
- Jogue-o no chão - ela ordenou.
O jarro quebrou-se em quatro pedaços.
- Irmão - disse então o rei, pondo a mão na testa de ambos -, ela é sua mulher. Irmã, ele é seu marido. Por quatro anos. Vão.